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A Borboleta Azul

Foto do escritor: Zeca LimaZeca Lima

Passado – Cabana Solitária

1º dia (Arado), Arizien, 734


Mesmo sabendo que nenhuma borboleta dura para sempre, ela jogou os cabelos para trás da orelha, levantou o ramo de cedro, apontou para as árvores e vociferou:

— Vocês não passarão!

Os coelhos mexeram os focinhos e correram da menina de seis anos que repetia fala. Suspirou alto colocando o pedaço de galho em um pequeno buraco no vestido bege e saltitou em direção a uma cabana no meio do bosque.

Antes que entrasse uma mulher ruiva e alta acenou para ela.

— O que fazia por aí?

A menina cruzou os braços e olhou para o céu nublado.

— Estava caçando o TequiTequi comedor de pão com minha varinha condão. Só que... Não achei nenhum! Pelo menos criei um feitiço para que mantenham distância do nosso novo lar.

A ruiva se abaixou e a menina correu para abraçá-la.

— Não é nosso novo lar, querida. Nem Índigos nunca foi. O lar é onde você se sente segura. Quando estou com você e seu pai, eu estou no nosso lar. — beijou-lhe a testa e ajeitou os cabelos cumpridos e castanhos da menina. Estavam suados.

Um homem saiu da cabana. Largo e com barba farta.

— O que as mulheres da minha vida fazem aqui fora? TequiTequi outra vez?

— Sim, papai! ­— a menina franziu o cenho assentindo com a cabeça — Sinto que ele está por perto querendo roubar nosso pão.

O pai retirou um machado da lateral da cabana e o ergueu.

— Vamos, Anastácia! Chegou a hora de darmos um jeito nele.

Anastácia sacou a varinha de condão e apontou para o meio das árvores.

— Vá na frente, papai. Te darei cobertura.

A mulher ruiva colocou a mão na boca abafando o riso.

— Roger, poderia caçar um coelho também.

Roger a segurou na cintura e a beijou.

— Certo, Irina! Então teremos coelhos e TequiTequi para o jantar.

Ela riu dando um tapinha em seu ombro enquanto Anastácia concordava com a cabeça.

Os olhos dela só saíram da direção das árvores quando uma borboleta azul surgiu e pousou em sua varinha erguida. Anastácia ficou imóvel encarando o bater de asas.

— Mamãe... Papai... — sussurrou — Meus poderes estão atraindo insetos coloridos.

Irina e Roger observaram a borboleta azul que voou da madeira até a ponta do nariz dela que mexeu a cabeça e fez o inseto voar para longe.

— Filha, isso é sinal de sorte! Que linda!

— Uma borboleta azul é algo raro de se ver. — Roger colocou a mão no ombro pequeno da filha e apontou — Faça um desejo.

Anastácia encarou os pais e voltou a apontar para o bosque. Em voz alta ela proferiu:

— Desejo ter mais poderes mágicos!

Roger e Irina riram sem que a menina percebesse. O engraçado é que eles não faziam ideia que o desejo dela se tornaria realidade.


***

Quando o quarto coelho foi abatido o céu já estava coberto por estrelas.

Anastácia encarou uma pata traseira do coelho partida no meio da relva suja de sangue. Agachou e apanhou.

— Papai, posso ficar com ele? Pode ser um valioso instrumento mágico.

— Claro que pode! Só deixa com o papai que vou limpá-lo para você.

A dupla voltou para a cabana que tinha em sua entrada três mulheres esfregando roupas. Irina levantou a cabeça vendo-os se aproximar.

— Dois coelhos e nenhum TequiTequi.

Anastácia revirou os olhos.

— Já tive minha cota de criaturas sobrenaturais do dia, mamãe.

— Quer me ajudar com os coelhos, Anastácia?

Irina indagou antes que a menina respondesse.

— Roger, ela é uma menina! Melhor ficar por aqui e nos ajudar com as roupas.

— Mamãe, as vísceras de animais podem ser amuletos de magia.

As outras mulheres encararam a menina enquanto o pai ria alto. A mãe suspirou fazendo um movimento de enxotar com a mão.

Anastácia foi na frente a abriu a porta da cabana para que Roger pudesse entrar sem sujar nada de sangue. No mesmo instante uma caneca de cerveja caiu e sujou o assoalho de madeira.

Atrás do balcão estava um homem de avental sendo suspenso pelo pescoço por outro homem com o rosto ruborizado.

Roger ficou na frente de Anastácia ainda segurando os coelhos nas mãos.

— Sem brigas, pessoal! O jantar é por minha conta hoje.

O homem largou o outro e bufou limpando o suor na testa com a palma da mão.

— Dane-se! Até parece que comerei com vocês. Malditos nortenhos!

Roger franziu o cenho e o ignorou seguindo para o lado oposto do balcão e colocando os coelhos em cima de uma bacia grande madeira.

Roger proferiu pausadamente:

— Meron, — olhou para o homem de avental que ajustava a gola da camisa amaçada — prepare uma boa faca. Estarei nos fundos limpando os coelhos.

Meron assentiu com a cabeça e correu para a outra ponta da cozinha.

O homem vermelho encarou Anastácia com o nariz franzido.

— Nenhum Deus está satisfeito com vocês aqui.

Anastácia o encarou dos pés à cabeça.

— Esse lugar é livre para pessoas de qualquer terra. Se você não está satisfeito, a saída é... — fingiu procurar com os olhos e voltou a encará-lo — Esqueça!

Antes que o homem respondesse, Roger ficou a frente dele com a mão no cabo do machado. Ele bufou e saiu resmungando até bater a porta do quarto.

Meron coçou a cabeça.

— Alguns calimbrianos não toleram pessoas de Índigos. Tempos de guerra resultam em medo e intolerância.

— Obrigado, Meron. Você nos acolheu mesmo sendo um calimbriano.

— Imagina! Pessoas precisam se ajudar, afinal somos todos descendentes dos Deuses.

— Não somos descendentes de Moriarty! — exclamou Anastácia.

Roger tentou tapar a boca da filha, mas ao lembrar as mãos sujas de sangue, parou. Com isso, Anastácia prosseguiu:

— Somos filhos dos Primeiros Ventos!

Meron limpou a caneca do chão e deu um sorriso farto.

— Certo, minha querida. Me desculpe pela indelicadeza. — ele entregou a faca para a menina que agradeceu e correu na direção do pai.

Roger deu um sorriso para Meron e saiu pelos fundos.

Era noite de lua nova e as estrelas se apresentavam ao lado externo com um pequeno lago. O pai sentou na borda e a filha ficou ao seu lado.

Primeiro limpou as mãos, jogou água sobre a filha que riu e o atacou de volta. Por fim começou o processo de esfolar os animais.

— Papai, por que tivemos que vir para Calimbra?

— Bem... — Roger terminou de limpar a pata de coelho e entregou a ela — Só estamos aqui de passagem. Dizem que Dracmor é mais quente que aqui e é lá que vamos morar. Tenho certeza que vai amar. Sua mãe me contou que tem pessoas capazes de encantar cobras com flautas, tem frutas deliciosas e algo que você vai amar... — tirou as mãos do primeiro coelho aberto e mexeu os dedos ensanguentados sussurrando — Dragões!

Anastácia deu um sobressalto e os olhos dela brilharam.

— Dragões? Que incrível! Será que eu posso ter um?

— Quem sabe. Precisa pedir sua mãe primeiro. — deu um pequeno risinho.

Anastácia levantou e ergueu a varinha de condão.

— Com dragões nenhum TequiTequi roubará nosso pão! Teremos fogueira para sempre, poderemos voar para qualquer lugar e ninguém vai nos incomodar.

Roger gargalhou vendo a filha de pé com a varinha levantada.

De repente a moita se mexeu e Anastácia apontou com a varinha. Roger levantou com as mãos sujas de sangue e apontou a faca.

— Quem está aí?

Antes dissesse novamente um vulto saiu da moita e arremessou algo que bateu na testa de Roger.

— Papai! — Anastácia gritou vendo o pai xingar curvando o corpo.

O vulto passou pelo lago e veio na direção deles. Anastácia arremessou a pata de coelho nele que esquivou e ao se aproximar da tocha externa revelou o mesmo homem que brigava com Meron. Dessa vez ele portava uma adaga.

Ele foi para cima de Anastácia, mas Roger saltou em direção a ela e lâmina fez um corte superficial nas costas.

Roger caiu com a filha e ambos rolaram para o lado oposto do lago. Sua faca caiu. Ele levantou antes que o segundo golpe viesse e segurou o pulso do adversário com a mão ensanguentada. O homem xingou e o bafo de álcool invadiu o rosto do pai.

A menina levantou e Roger vociferou:

— Vai para sua mãe agora!

Anastácia assentiu, mas antes que escapasse o homem chutou o estomago do pai dela e correu na direção dela e arremessando no chão.

— Você vai aprender a respeitar os mais velhos, mocinha!

Roger levantou e com o cabo do machado o golpeou na lateral do rosto o arremessando para o lado. Antes que conseguisse se levantar, o barbudo ficou em cima dele e novamente o golpeou na cabeça duas vezes.

No momento que ia dar o terceiro golpe, Anastácia balançou a varinha na frente do pai.

— Não somos assassinos, papai. Deixa que farei um feitiço para ele dormir por uma lua inteira.

Roger respirou fundo olhando o homem ferido e levantou.

Abraçou a filha e passou a mão na testa dela.

— Como você está?

Ela sorriu apertando as bochechas do pai.

— Ora essa! Uma maga como eu sempre está bem!

Ele riu a abraçando novamente.

O grito de uma mulher fez Roger virar o corpo. Ela correu até tatear o homem desacordado.

— Por todo os Deuses... Mataram o meu marido!

Irina correu em direção a Roger e Anastácia. Observou a mão ensanguentada do esposo e o vestido mais rasgado da filha.

— Seu marido, — Roger bradou — tentou atacar minha filha. Por pouco não o matei. Mas se ele não ficar longe da minha família eu...

Meron suspirou e apontou para Roger.

— Por gentileza, Roger. Junte as coisas de vocês e saem da cabana.

— Mas, Meron, foi ele que...

Irina o cortou dando um sorriso singelo para o dono da cabana.

— Claro, Meron. Obrigado pela hospitalidade durante essa semana. — segurou a mão da filha e do marido e subiu para cabana.

Em poucas horas o trio já seguia o sul da estrada diante da escuridão com estrelas.


Em breve a história completa estará na Amazon.


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